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Ciência

Edição 104 > Galileu Galilei e a Astronomia

Galileu Galilei e a Astronomia

Antonio Augusto Passos Videira
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O ano de 2009 marca o quarto centenário do primeiro uso científico de um telescópio, feito do filósofo italiano Galileu Galilei. Para comemorar a efeméride, a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) declarou 2009 o Ano Internacional da Astronomia. Como forma de somar-se a essa iniciativa em prol da popularização da ciência, Princípios publica a seguir artigo do filósofo Antonio Augusto Passos Videira, resgatando a vida e a obra de Galileu

Ao abandonar em 1585 a Universidade de Pisa sem completar o curso de medicina, ao contrário do desejo de seu pai, Vincenzio Galilei (1520-1591) – músico de profissão, mas com bons e sólidos conhecimentos matemáticos –, Galileu Galilei (1564-1642) viu-se na iminência de poder abraçar o estudo da matéria que mais lhe atraía. Enquanto esteve naquela universidade, ele travou conhecimento com Ostílio Ricci (1540-1603), célebre professor de matemática, que, entusiasmado com o interesse daquele, ensinou-lhe privadamente geometria euclidiana. A decisão de se dedicar à matemática em detrimento da medicina fez com que Galileu tivesse de se preocupar em ganhar a vida, o que fez dando aulas particulares daquela disciplina.

Provavelmente, pouco tempo depois da sua saída da universidade, Galileu redigiu um curto tratado que tratava de cosmografia, e que se destinava ao uso de seus alunos, tal como era costume na época. Esse texto baseou-se no célebre tratado de astronomia esférica, escrito no século XIIII, por Sacrobosco. O tratado de Galileu seguia as abordagens convencionais, ou seja, adotava o geocentrismo e não havia menção, em momento algum, ao copernicanismo. Há evidências de que Galileu tenha empregado esse texto em Pisa (1589-1592) e em Pádua (1592-1610).

Até o início do século XVII, não há sinais de que Galileu tivesse algum interesse por astronomia. Essa situação começou a mudar em 1597, ano em que ele conheceu Jacopo Mazzoni, filósofo que se preocupava em reunir teses platônicas e aristotélicas. Com essa convivência Galileu passou, pouco a pouco, a considerar a teoria de Copérnico mais provável que o sistema geocêntrico de Aristóteles e Ptolomeu (cerca de 83-161). Mazzoni tinha publicado um livro com o qual acreditava ter mostrado, de modo decisivo, que a Terra não se movia. Em termos gerais, o argumento de Mazzoni procurava estabelecer que, devido ao monte Cáucaso ser muito alto o seu cume seria iluminado pelo Sol durante um terço da noite, o que permitiria concluir que do seu topo seria possível observar 2/3 da abóboda celeste. Caso a Terra se movimentasse, mudando a sua posição com relação à esfera celeste, ao menos 2/3 dos céus seriam observáveis ao longo do ano.

Ao ler o argumento de Mazzoni, Galileu rapidamente percebeu ser baseado num equívoco. Enviou-lhe, em seguida, uma carta, na qual, recorrendo à trigonometria, mostrava que a revolução da Terra em torno do Sol não provocaria mudança no número de estrelas visíveis. Apesar de ser um bom argumento, Galileu não conseguiu convencer ninguém, a não ser ele mesmo, já que ficou fascinado com a possibilidade de usar a matemática para refutar um argumento contra Copérnico.

* * *?

Segundo Noel Swerdlow, as pesquisas de Galileu em astronomia foram mais do que originais, elas foram sem precedentes. Ainda segundo este autor, Galileu não foi um astrônomo como Nicolau Copérnico (1473-1543), Tycho Brahe (1546-1601) ou Johann Kepler (1571-1630), que fizeram observações, propuseram modelos e fixaram os valores de parâmetros com o objetivo de calcular e construir tabelas e efemérides para a determinação das posições do Sol, da Lua e dos planetas. Galileu também não se preocupou em descobrir os princípios físicos que governam os movimentos celestes, tal como aconteceu com Kepler e Newton. Grande parte da sua investigação em astronomia diz respeito principalmente a dois temas: à refutação do sistema de mundo baseado em Aristóteles e à defesa daquele outro, conhecido como copernicano, por ter sido formulado em 1543 pelo polonês Copérnico. Sua originalidade, assim, explica-se não apenas pelo que ele foi capaz de descobrir, mas, sim, pelo modo como interpretou as suas descobertas.

Praticamente todas elas podem, e ele o fez, ser usadas contra o aristotelismo e em favor do copernicanismo.

Como dito acima, até 1604, Galileu não mostrou muito interesse por astronomia. Nesse ano, surgiu nos céus uma estrela, até então não observada; uma estrela nova, como se dizia à época. Intrigado por esse fenômeno, ele proferiu, naquele mesmo ano, três conferências públicas sobre essa aparição. O texto dessas conferências perdeu-se. O que se sabe sobre elas pode ser razoavelmente conhecido a partir de um rascunho de uma carta escrita em janeiro de 1605. Segundo esta, as conferências tinham como propósito explicar a natureza e a aplicação da importância da determinação da paralaxe para a medida de distâncias entre objetos celestes e a Terra, bem como refutar a concepção aristotélica de que os cometas e as novas estrelas eram fenômenos sublunares. Não há nela nenhuma menção ao sistema de Copérnico. Segundo Stillman Drake, Galileu já havia consolidado a tese segundo a qual a mensuração para a ciência era o mais importante elemento, existente na prática científica, capaz de contribuir para a formulação de conclusões a respeito do comportamento do mundo. Isso aconteceria, pois as medidas permitiram evitar que o conhecimento, a partir delas construído, não fosse continuamente revisável.

Para Galileu, a filosofia dominante em sua época não poderia garantir a confiabilidade necessária ao conhecimento, visto que fazia uso de qualidades e essências como elementos fundamentais para que os fenômenos naturais pudessem ser considerados como devidamente explicados. Galileu negava radicalmente a possibilidade de um tal conhecimento. Toda tentativa de conhecer as essências, sejam aquelas dos corpos celestes, sejam aquelas dos corpos terrestres, levaria a um conhecimento falso e passível de ser posto em questão, o que levaria a intermináveis e inconclusivas discussões.
Dois anos após a observação da estrela nova, foi publicado em Florença um panfleto, supostamente escrito por um certo Alimberto Mauri, que muito provavelmente era o próprio Galileu. Esse texto – Considerações de Alimberto Mauri sobre algumas passagens no Discurso de Lodovico delle Colombe – foi concebido como uma resposta às teses avançadas por Colombe (1565-1616?), para o qual a estrela, observada em 1604, não era nova: ela sempre esteve nos céus. Contra Collombe, “Mauri” defendia que apenas a observação – e não a filosofia – poderia contribuir para o avanço da astronomia, resolvendo o problema sobre a existência da estrela de 1604.

As descobertas galileanas em astronomia foram possíveis graças ao seu recurso à trigonometria, mas principalmente devido ao uso consciente e metodicamente consistente de um “aparelho” ótico, recentemente construído por óticos flamengos. Esse instrumento estava em circulação desde pelo menos o início do século XVII. Galileu aparentemente tomou dele em maio de 1609 por meio de um comunicado de seu amigo Paolo Sarpi (1552-1623). Rapidamente, em três meses, o sábio pisano foi capaz de construir um “aparelho” semelhante, já que isso não exigia habilidades especiais. Esse “aparelho” podia ser construído com as lentes, então empregadas para corrigir problemas visuais como a miopia; era suficiente dispor de lentes convexas e côncavas. Galileu, contudo, não se limitou a reproduzir o que já era disponível em várias cidades europeias. Ele foi além e aperfeiçoou aquele instrumento ótico para o qual rapidamente previu usos diferentes. Em pouco tempo, ele construiu uma versão do instrumento, a que ele chamou de perspicillum, capaz de aumentar em oito ou nove vezes objetos distantes. Outra inovação introduzida por Galileu foi o uso de uma base (como um tripé) para dar maior sustentação ao perspicillum.

Mesmo não sendo o inventor da luneta, Galileu, recorrendo às suas enormes habilidades manuais e técnicas, aperfeiçoou-a bastante, fazendo com que desenvolvesse uma enorme crença na veracidade das imagens que via através dela. Galileu não era capaz de provar a veracidade das imagens, já que os seus conhecimentos em ótica eram praticamente nulos. Em suma, nenhum tipo de raciocínio a priori o ajudou a aperfeiçoar o perspicillum. O seu “método” foi o de tentativa e erro, como ele, aliás, afirma em um texto que publicou em 1610. Até o momento da entrada em cena do sábio pisano, as lunetas encontravam-se, na expressão de Vasco Ronchi, na seguinte situação: “Elas eram mal construídas pelos óticos, desprezadas pelo público, condenadas pelos sábios.” A desconfiança com relação aos aportes cognitivos dados pelas lunetas pode ser parcialmente explicada pela persistência de uma tese filosófica, cuja origem remontava ao período clássico da filosofia grega, que questionava a capacidade da visão em gerar conhecimento confiável e verdadeiro do mundo externo. Não havia, pensava-se, como ter certeza de aquilo que se via com os olhos corresponderia àquilo que existe.

Para confirmar o que era visto com a visão, devia-se recorrer ao tato. Mas, como fazer isso no caso dos objetos celestes? A impossibilidade de tocar os astros era evidente, mesmo para os defensores do pensamento aristotélico.

Interessado em melhorar a sua situação como professor em Pádua, dependente da República de Veneza, Galileu conseguiu mostrar o aparelho para o Senado dessa cidade, defendendo a importância que o perspicillum teria como instrumento militar, pois permitiria que se percebesse a aproximação de navios inimigos. As negociações fracassaram, pois as condições oferecidas pelos senhores de Veneza não eram aquelas desejadas por Galileu. Este, imediatamente, entrou em contato com os Médici, senhores da Toscana, para deles obter uma melhor situação profissional.

No início de 1610, Galileu dispunha de uma luneta capaz de aumentar 20 vezes, também obra sua. Antes disso, no entanto, ele já começara a observar os céus com instrumentos menos potentes. Em dezembro de 1609 e em janeiro do ano seguinte, ele fez descobertas nunca alcançadas e muito menos imaginadas. Sua primeira descoberta de impacto foi que a superfície da Lua era irregular. Em seguida, aumentou consideravelmente o número de estrelas observadas, finalizando, temporariamente, com a descoberta dos satélites de Júpiter. Ansioso em garantir a prioridade da descoberta dos satélites, Galileu tratou de escrever um pequeno trabalho, intitulado Siderius Nuncius, A Mensagem das Estrelas, publicado em 13 de março de 1610. Deve ser mencionado que as suas últimas observações dos satélites ocorreram no dia 02 de março daquele ano. A publicação desse texto granjeou fama internacional para Galileu, além de lhe garantir uma posição na Universidade de Pisa, superior àquela que detinha em Pádua. Em Pisa, Galileu não tinha obrigações de ensino, podendo se dedicar quase inteiramente às suas próprias pesquisas. Isso foi conseguido graças a um seu estratagema engenhoso. Os satélites de Júpiter foram por ele dedicados ao Grão Duque da Toscana, Cósimo II de Médici (1590-1621). Com esse gesto, Galileu foi nomeado primeiro matemático da corte toscana.

Galileu não parou por aí. Ao longo de 1610, ele observou a forma peculiar de Saturno, as fases de Vênus e as manchas irregulares que se moviam na superfície do Sol. Depois de um ano da publicação de Siderius Nuncius, ele era o filósofo natural mais conhecido em toda a Europa. Em 1611, fez sua primeira viagem a Roma, sendo recebido triunfalmente no Colégio Romano, o famoso local de estudo e pesquisa mantido pelos jesuítas, os quais reconheceram a importância e a novidade das descobertas galileanas. Também por essa época, ele foi eleito para a então recém-criada Accademia dei Lincei, nomeação da qual se orgulhou por toda a sua vida.

Se é certo que as descobertas de Galileu provocaram transformações na imagem de mundo que conhecia naquela época, é igualmente certo que ele mesmo passou por uma importante modificação. Até aquela, ele tinha se mostrado cautelosamente favorável às ideias e concepções de Copérnico. Em 1597, Galileu escreveu a Kepler dizendo-se copernicano “há muitos anos”, declaração que contrastava com a posição que assumira publicamente até essa época. A partir de 1610, Galileu passou a ser o mais ferrenho defensor do sistema de mundo elaborado pelo cônego polonês e o mais ferrenho opositor da física aristotélica, não apenas na Itália, mas em toda parte. Como é bem conhecido, as descobertas astronômicas de Galileu não comprovam a teoria de Copérnico, mas são inexplicáveis pela física aristotélica, que defendia uma concepção imutável e perfeita para os céus. Em particular, as suas conclusões relativas à superfície lunar eram consideradas como inaceitáveis pelos defensores do aristotelismo, pois mostravam que os céus não eram imutáveis e nem perfeitos. Outro ponto que merece sublinhado: apesar de relacionadas, a refutação do aristotelismo e a defesa do copernicanismo não eram obviamente relacionadas. Ou seja, uma não era a implicação lógica e direta da outra.

As descobertas feitas em 1610 são tão relevantes para o desenvolvimento da ciência e da visão de mundo modernas que não constitui um exagero considerar aquele ano como o annus mirabilis (ano miraculoso) de Galileu. De acordo com Ronchi, Galileu revolucionou a astronomia com as duas descobertas, a que concernem fundamentalmente três aspectos: 1º) introdução de novos métodos e instrumentos observacionais (perspicillum); 2º) descobertas de novos objetos nos céus; e 3º) transformação conceitual sobre a estrutura dos céus e suas relações com a Terra. No que diz respeito a esse terceiro aspecto, vale a pena retornar às observações dos satélites medicianos para esclarecer esse ponto.

Ainda que nem o sistema aristotélico e nem o ptolomaico pudessem dar conta da existência desses corpos celestes, o sistema de Tycho Brahe, uma composição entre o sistema de Ptolomeu e o de Copérnico – a Terra permanecia no centro do Universo com o Sol girando ao seu redor, ao mesmo tempo em que os demais planetas e corpos conhecidos gravitavam em torno do astro-rei – era capaz de explicar a presença daqueles quatro corpos. Galileu, contudo, não aceitou o sistema do astrônomo dinamarquês, uma vez que este último exigia uma força entre a Terra e o Sol diferente daquela existente entre este último e os outros astros, o que só seria possível caso os corpos celestes fossem constituídos de outra matéria e obedecendo a outras leis que não aquelas dos corpos terrestres. Também nesse caso, Galileu recorria à existência de uma semelhança, estabelecida de forma analógica, entre o comportamento dos corpos celestes e terrestres. Esses últimos poderiam fornecer informações úteis e verdadeiras sobre os primeiros. A recusa do sistema de Brahe implica um passo importante em direção à unificação dos céus, os quais, segundo Aristóteles, eram essencialmente diferentes entre si.
A indistinguibilidade entre os mundos sublunar e supralunar ganhou um reforço com o estudo pormenorizado feito por Galileu sobre o fenômeno das manchas solares. Uma característica interessante desse fenômeno é que ele é comum, diferentemente do caso de cometas ou estrelas novas, normalmente raros. O fato de ser comum permite que as manchas solares sejam muito observadas e estudadas. A principal questão a envolver as manchas solares concernia à sua exata localização: estariam elas sobre a superfície do Sol ou acima desta?

Já em julho de 1610, Galileu observava as manchas solares com o auxílio do seu perspicillum. Por essa mesma época, pelo menos duas outras pessoas fizeram observações desse evento; certo holandês chamado Johann Fabricius (1587-1616) e o padre jesuíta Cristopher Scheiner (1573-1650). Pelas observações do primeiro, as manchas seriam contíguas à superfície do Sol; Scheiner, no entanto, não concordou com essa conclusão. Em janeiro de 1612, o jesuíta enviou a Marco Welser (1558-1614), um importante banqueiro com fortes ligações com a Companhia de Jesus, três cartas, escritas sob pseudônimo, nas quais discorre sobre as suas observações sobre as manchas solares. Interessado em conhecer a opinião de Galileu sobre o assunto, Welser enviou-lhe cópias das cartas, o que deu origem a um dos mais importantes trabalhos do pisano: Histórias e demonstrações sobre as manchas solares.

A polêmica entre Galileu e Scheiner ganha contornos mais interessantes, quando se lembra o fato de este último não ter sido radicalmente contrário ao sistema copernicano, nem ter duvidado da validade das observações obtidas por meio da luneta telescópica. O ponto central da discórdia entre os dois dizia respeito à inalterabilidade dos céus. As cartas de Galileu foram escritas nos dias 04 de maio, 14 de agosto e 1º de dezembro de 1612.

Na primeira delas, Galileu afirma, entre outras coisas, que as essências dos fenômenos celestes não podiam ser conhecidas, restando apenas o conhecimento das afecções (lugar, movimento, figura, grandeza, por exemplo). Dentre essas afecções, as mais importantes seriam aquelas capazes de ser quantificadas. Ainda nessa primeira carta, Galileu dá a conhecer um novo método de observação do Sol, desenvolvido pelo seu aluno Benedetto Castelli (1578-1643). Além de mais precisas, as observações feitas com o método de Castelli eram seguras, pois não feriam os olhos. De modo breve, Castelli desenvolveu um método que consistia em projetar o disco solar, através da luneta, sobre uma folha de papel, sendo suficiente desenhar sobre a imagem projetada, com o cuidado de sempre inverter a posição.

Na carta de 14 de agosto, Galileu mostrou geometricamente a contiguidade das machas ao Sol, recorrendo ao método de Castelli. Esses esboços de Galileu foram muito importantes para que seus argumentos fossem considerados na disputa que manteve com o padre Scheiner. Galileu era um exímio desenhista e percebeu mais do que o próprio Scheiner que as representações visuais poderiam desempenhar um papel decisivo na polêmica. Os desenhos mostram igualmente a preocupação de Galileu em sempre respeitar os mesmos procedimentos em suas observações, o que não era o caso do seu rival. Algumas das conclusões de Galileu nessa segunda carta sustentam que:

- O Sol é perfeitamente esférico;

- as manchas são contíguas ao Sol ou, no máximo, estão separadas dele por uma diferença muito pequena, não sendo, assim, planetas como dizia o padre Scheiner;

- as manchas não são estrelas e se alteram continuamente;

- a figura das manchas é muito irregular, adotando as mais diferentes configurações;

- o Sol gira sobre si mesmo, de oeste para leste, em aproximadamente um mês lunar.

Na terceira e última carta, a principal novidade introduzida por Galileu com relação ao conteúdo das duas primeiras diz respeito aos seus comentários sobre as opiniões de Scheiner acerca das outras observações e descobertas feitas com o perspicillum, como, por exemplo, a irregularidade da superfície lunar. Mesmo que concordassem em certos aspectos da astronomia que então se descortinava, as diferenças entre os dois eram imensas, em grande parte devido ao fato de Scheiner ter procurado defender o cosmo aristotélico. Com as cartas endereçadas a Wesler, Galileu conseguiu uma importante vitória, pois mostrou a importância das observações metodologicamente consistentes para o avanço da astronomia.

Apesar de acreditar e defender uma concepção metodológica oriunda de professores do Colégio Romano, os quais defendiam uma posição aristotélica – também ela, realista, ou seja, o conhecimento dizia respeito a coisas que existem na natureza –, Galileu, com os seus resultados astronômicos, acabou, com o passar do tempo, por minar a primazia do ideal aristotélico de conhecimento. Em longo prazo, até o final do século XVII, a fixação de leis acabou por substituir a procura por causas últimas; a determinação das essências foi deixada de lado em favor das regularidades observadas nos fenômenos naturais. Se a revisão historiográfica da posição metodológica de Galileu não permite mais a manutenção na crença, já antiga, de que ele teria sido o descobridor do chamado método científico – percebido durante quase dois séculos, como a sua principal contribuição para a revolução que deu início à ciência moderna –, tal conclusão não diminui em nada a sua importância para o desenvolvimento posterior do conhecimento sobre os fenômenos naturais.

* * *

Não é fácil sintetizar as contribuições de Galileu para o conhecimento da natureza, abrindo caminho para a consolidação da chamada ciência moderna. Creio que é quase cometer suicídio tentar sintetizar, em poucas palavras, as razões que nos explicam o porquê da sua importância. Mesmo sendo extremamente arriscado, é forte a sedução exercida pela síntese; ela é, parece-me, inescapável. Assim, correrei o risco de oferecer os motivos que fazem com que Galileu possa ter dado origem à imagem de fundador da ciência moderna, certamente exagerada e errônea, mesmo que ela seja defendida atualmente como equivocada pelos mais importantes estudiosos no assunto.

Como é bem conhecido, Galileu era um apaixonado por polêmicas. Capaz de manejar com maestria a retórica, ele soube se aproveitar das polêmicas para apresentar os seus próprios pontos de vista, não deixando passar as oportunidades que teve para usar da ironia contra os seus opositores. Ao trabalhar em prol do copernicanismo entre 1610 e 1632, Galileu percebeu ser importante construir uma audiência capaz de entender o que e como estavam sendo discutidas as teses sobre a natureza e o comportamento dos astros celestes. Nesse sentido, sua ironia, mas também os seus diagramas e tabelas, foi muito apreciada pelos leitores dos seus trabalhos. Sua contribuição nesse sentido foi enorme.

Galileu era um homem aberto às novidades, mesmo respeitando a tradição, em particular a católica, como se vê com clareza na suas inúmeras tentativas de encontrar um equilíbrio entre o catolicismo e a nova astronomia que ele ajudava a construir. Além disso, o sábio pisano estabeleceu novos critérios para a elaboração de explicações coerentes dos fenômenos naturais. Esses critérios ajudaram a consolidar uma imagem mecânica da natureza, que se disseminou a partir da segunda metade do século XVII.

A defesa intransigente de que o livro da matemática estava escrito em caracteres geométrico é uma das principais marcas características do pensamento galileano, devendo sempre ser mencionada, pois ela daria uma importante contribuição para a obtenção do tipo desejado por Galileu. Como vimos, ele queria estabelecer um tipo de conhecimento que, mesmo necessariamente passível de revisões posteriores – afinal, como tentar estabelecer limites a priori para a inteligência dos seres humanos, também eles criações de Deus? –, seria sólido e correto. A matemática e as medidas com instrumentos em muito ajudariam na construção de um tal conhecimento sobre a natureza.

Finalmente, Galileu sempre se posicionou contra a autoridade livresca, contra os filósofos in libris. Para ele, no que diz respeito à natureza apenas a consulta às obras permitidas seria insuficiente para a determinação de verdades. O remédio seria garantir a autonomia da investigação sobre o comportamento da natureza. Vejamos como o próprio Galileu descrevia a atitude que deveria predominar nos estudos de filosofia natural, a ciência de nossos dias:

 “Como bem sabe Vossa Alteza Sereníssima, descobri há poucos anos muitas particularidades no céu, que tinham permanecido invisíveis até esta época. Seja por sua novidade, seja por algumas consequências que dela decorrem e que contrariam algumas proposições acerca da Natureza comumente aceitas pelas escolas dos filósofos, essas descobertas excitaram contra mim um bom número de seus professores; quase como se eu, com minha própria mão, tivesse colocado tais coisas no céu, para transtornar a Natureza e as ciências. Esquecido, de certo modo, de que a multiplicação das verdades concorre para a investigação, crescimento e estabilização das disciplinas, e não para a sua diminuição ou destruição, e demonstrando, ao mesmo tempo, maior apego por suas próprias opiniões do que pela verdade, esses professores chegaram a negar e tentar anular aquelas novidades, sobre as quais caso tivessem querido considerá-las com atenção, poderiam ter ganho segurança através de seus próprios sentidos. Por isso, tomaram várias providências e publicaram alguns escritos repletos de discussões vazias; e, o que foi o erro mais grave, salpicados de testemunhos das Sagradas Escrituras, tirados de passagens que não entenderam bem e aduzidas fora de propósito. Não teriam talvez incorrido em erro, se tivessem dado atenção a um utilíssimo testemunho que nos dá Santo Agostinho, referente ao cuidado em se conduzir na decisão sobre as coisas obscuras e difíceis de ser compreendidas apenas por meio do discurso; ao falar de certa conclusão natural a respeito dos corpos celestes escreve ele o seguinte: “Pelo momento, contentando-nos em observar uma piedosa reserva, nada devemos crer apressadamente sobre este assunto obscuro, no temor de que, por amor a nosso erro, rejeitemos o que a verdade, mais tarde, poderia nos revelar não ser contrário de modo nenhum aos santos livros do Antigo e do Novo Testamento” (Genesis ad literam, lib. sec. in fine, Comentário literal do Gênesis, em português) (2).

Galileu é um dos filósofos do início da Idade Moderna mais estudado entre nós. Suas obras têm sido traduzidas, estudadas e publicadas desde, pelo menos, o início da década de 1970. Dissertações de mestrado e teses de doutorado discutem, direta ou indiretamente, as ideias galileanas. A maior parte dessa bibliografia encontra-se publicada em revistas acadêmicas universitárias que pouco circulam no mundo situado para fora dos muros da universidade. Essa produção é de boa qualidade, merecendo ser conhecida. Como seria arriscado estabelecer uma lista completa desses trabalhos, limito-me a mencionar alguns nomes, com o objetivo de ilustrar a existência desses estudos: Fernando Lobo Carneiro, Gerd Bornheim, Pablo R. Mariconda, Fátima R. R. Évora, Júlio Vasconcelos, Marcelo Moschetti, Roberto de A. Martins e Carlos Arthur Ribeiro do Nascimento. Seus trabalhos podem ser principalmente encontrados em revistas como Scientiae Studia da USP e Cadernos de História e Filosofia da Ciência da Unicamp.

Antonio Augusto Passos Videira (IFCH/UERJ, CNPq) é professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e professor colaborador no Programa de Pós-Graduação em epistemologia e História das Ciências e das Técnicas da UFRJ e pesquisador visitante no CBPF.

 

Cronologia da vida de Galileu

1564 – Galileu Galilei nasce no dia 15 de fevereiro em Pisa, filho de Vincenzio Galilei e de Giulia Ammanati.
1581 – Matricula-se na faculdade de medicina de Pisa.
1585 – Abandona a faculdade de medicina, sem concluir o curso e sem direito a receber algum diploma.
1589 – Começa a ensinar matemática na Universidade de Pisa.
1592 – Transfere-se para Pádua, onde permanece por 18 anos.
1604 – Observa a “nova estrela” e descobre a lei da queda dos corpos.
1608 – Estabelece a trajetória parabólica dos projéteis.
1609 – Constrói, a partir de informações recebidas através de cartas de amigos e ex-alunos, o perspicillum.
1610 – Descobre os satélites de Júpiter e publica A Mensagem das Estrelas. É nomeado matemático e filósofo de Cósimo II, Grão-Duque da Toscana.
1612 – Publica a Pequena Obra sobre a flutuação dos corpos sólidos.
1615 – Publica a Carta a Cristina de Lorena, sobre ciência e fé.
1616 – O Cardeal Berllarmino condena o sistema de Copérnico. Galileu é chamado a Roma para responder a acusações de heresia.
1623 – Galileu publica, com o patrocínio da Academia dei Lincei, da qual fazia parte, O Ensaidor.
1624 – Envia a Roma um conjunto de microscópios desenvolvidos por ele.
1632 – Publica, em Florença, os Diálogos sobre os dois máximos sistemas do mundo ptolomaico e copernicano.
1633 – Leitura pública, realizada no dia 22 de junho, do ato de abjuração.
1638 – Publica Discursos e demonstrações matemáticas sobre duas novas ciências.
1642 – Falece no dia 08 de janeiro em sua casa, onde se encontrava em prisão domiciliar desde a sua condenação pelo Santo Ofício.


Relação dos livros publicados por Galileu ou a ele atribuídos

As obras completas de Galileu, contendo outros documentos como cartas, além dos livros por ele publicados, foram organizadas a partir de fins do século XIX por Antonio Favaro. Le Opere, editadas por Antonio Favaro, 20 vols. Florença: G. Barbèra, 1889-1909, tendo sido reimpressas em 1929-1939, 1964-1966 e 1968. Em anos sucessivos, elas receberam acréscimos importantes para o estudo das ideias do genial sábio pisano. Quando existir tradução em português, esta é indicada ao lado do título original.
1586 – La bilancetta (original em Le Opere di Galileu Galilei, Vol. 1, pp. 210-218). “A Pequena Balança ou Balança Hidrostática”, Tradução de Pierre H. Lucie, Cadernos de História e Filosofia da Ciência, n. 9 (1986), pp. 105-107.
1603 – Cecco di Ronchitti, Dialogo... della stella nuova, Pádua.
1606 – Le Operazioni del compasso..., Pádua.
1610 – Sidereus Nuncius..., Pádua. A Mensagem das Estrelas, Tradução, Introdução e Notas por Carlos Ziller Camenietzki, Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins/Salamandra, 1987.
1612 – Discorso intorno alle cose... in su l’acqua..., Florença.
1613 – Istoria e dimostrazioni intorno alle macchie solari, Roma.
1615 – Lettera a Madama Cristina de Lorena, Estrasburgo, 1636. “Carta à Senhora Cristina de Lorena, Grã-Duquesa de Toscana”, Tradução e Introdução por Carlos Arthur Ribeiro do Nascimento, Cadernos de História e Filosofia da Ciência, n. 5 (1983), pp. 91-123.
1623 – Il Saggiatore..., Roma. O Ensaiador, Tradução de Helda Barraco, Coleção Os Pensadores, São Paulo: Abril Cultural, 1973, 1ª Edição.
1619 – Mario Guiducci, Discorso delle comete, Florença.
1632 – Dialogo sopra i due massimi sistemi del mondo tolemaico e copernicano, Florença. Diálogos sobre Dois Máximos Sistemas do Mundo Ptolomaico e Copernicano, Tradução, Introdução e Notas por Pablo Rubén Mariconda, São Paulo: Imprensa Oficial/Discurso Editorial, 2004.
1638 – Discorsi e Dimostrazioni Matematiche intorno a due nuove scienzie attenenti alla Mecanica ed ai Movimenti Locali, Leiden. Duas Novas Ciências, incluindo: Da Força de Percussão, Tradução e Notas por Letizio Mariconda e Pablo R. Mariconda, Introdução por Pablo Rubén Mariconda, São Paulo: Stella Editorial/Instituto Cultural Ítalo-Brasileiro, s.d.
Além das traduções acima mencionadas, em português podem ainda ser encontradas as seguintes obras de Galileu:
Ciência e Fé – Cartas de Galileu sobre a questão religiosa, Tradução e Introdução por Carlos Arthur Ribeiro do Nascimento, São Paulo: Stella Editorial/Instituto Cultural Ítalo-Brasileiro, 1988.
Carta de Galileu Galilei a Francesco Ingoli, Tradução por Pablo Rubén Mariconda, Scientiae Studia, vol. 3, n. 3, pp. 477-516, 2005. (Esta carta de Galileu, escrita em 1624, é uma resposta ao texto Discussão a Respeito da Posição e do Repouso da Terra contra o Sistema de Copérnico de Francesco Ingoli, que o dedicou a Galileu. Uma tradução do trabalho de Ingoli encontra-se publicada em Scientiae Studia, vol. 3, n. 3, pp. 467-476, 2005. A tradução foi realizada por Adriano Machado Ribeiro e Letizio Mariconda.)
“Carta de Galileu Galilei a Fortunato Liceti em Pádua”, Tradução por Pablo Rubén Mariconda, Scientiae Studia, vol. 1, n. 1, pp. 75-80, 2003.

Notas

1) Uma versão resumida deste artigo foi publicada na Revista Ciência Hoje, vol. 43, nº 256, janeiro-fevereiro de 2009, pp. 18-23. 
2) Esta passagem de Galileu encontra-se na Carta à Senhora Cristina de Lorena, no livro Ciência e Fé, organizado por Carlos Arthur Ribeiro do Nascimento, p. 41-42. (Ver Box 2)


Sugestões de leitura

Há uma imensa bibliografia sobreGalileu. Assim, estabelecer uma lista de sugestões de leitura não é das tarefas mais fáceis. O risco de esquecer algo relevante é grande. A lista abaixo é incompleta e modesta. No entanto, ela oferece títulos relativamente fáceis de ser encontrados entre nós. Recentemente, a edição brasileira da Scientific American publicou um número dedicado a Galileu (“Galileu – Universo em Movimento”), organizado por Enrico Bellone. Também vale a pena consultá-lo.
KOYRÉ, Alexandre. Etudes galiléennes, Hermann, Paris, 1980.
________________. Estudos Históricos do Pensamento Científico (Tradução e Revisão Técnica de Márcio Carvalho), Forense Universitária/Editora Universidade de Brasília, Rio de Janeiro/Brasília, 1982.
________________. Do Mundo Fechado ao Universo Infinito (Tradução de Donaldson M. Garschagen), Forense Universitária, Rio de Janeiro, 3ª edição, 2001.
GARIN, Eugenio. Ciência e vida civil no Renascimento italiano (Tradução de Cecília Prada, Revisão Técnica de José Aluysio Reis de Andrade), Editora Unesp, São Paulo,1996.
ÉVORA, Fátima R. R. A Revolução Copernicano-Galileana (Vol. II – A Revolução Galileana), Coleção CLE, vol. 4, Unicamp, Campinas, 1994.
CARNEIRO, Fernando Lobo (coordenador). 350 Anos dos “Discorsi Intorno a Due Nuove Scienze” de Galileu Galilei, COPPE/Marco Zero, Rio de Janeiro, 1989.
_______________________. “Galileu e os efeitos do tamanho”, Ciência Hoje, vol. 9, n. 50, jan/fev. 1989.
GEYMONAT, Ludovico. Galileu Galilei (Tradução de Eliana Aguiar), Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1997.
CLAVELIN, Maurice. “A Revolução Galileana: Revolução Metodológica ou Teórica?”, (Tradução de Roberto de A. Martins), Cadernos de História e Filosofia da Ciência, n. 9 (1986), pp. 35-44.
MARICONDA, Pablo & VASCONCELOS, Júlio. Galileu e a nova Física, Odysseus, São Paulo, 2006.
MACHAMER, Peter (editor). The Cambridge Companion to Galileu, Cambridge University Press, Cambridge,/Nova York, 1998.
DRAKE, Stillman. Galileu (Tradução de Maria Manuela Pecegueiro), Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1981.
SHEA, William R. Galileu’s Intelectual Revolution – Middle Period, 1610-1632, Neale Watson Academic Publications Inc, 1977.

 


 

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