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Edição 141 > Somos, de fato, o inferno
Somos, de fato, o inferno
- Sobre método e retórica na economia - Este texto, publicado em versão resumida no jornal Folha de S.

Paulo (20/03/2016), rebate artigo de Marcos Lisboa e Carlos Eduardo Gonçalves publicado no mesmo jornal (14/02/2016).
Para os autores, por trás da condenação da retórica feita pelos defensores do -método científico- esconde-se outra retórica: a do iluminismo anglo-saxão, que ajudou a fundamentar o positivismoO artigo -O inferno somos nós - método, e não retórica, deve reinar na ciência-, dos professores Carlos Eduardo Gonçalves e Marcos Lisboa (1), levanta instigantes questões sobre o lugar da economia entre duas tradições de pensamento distintas e, mesmo, opostas: de um lado, o que os autores denominam -iluminismo escocês-, herdeiro da longa tradição empírica britânica, cujos desenvolvimentos resultaram na moderna abordagem pragmática das ciências; de outro, a tradição latinista do humanismo, chamada pelos autores de -retórica-, que ajudou a conformar aquilo que hoje são as humanidades.
Os autores esforçam-se em argumentar pela impropriedade da tradição humanística na abordagem dos problemas econômicos.
Enquanto arcabouço metodológico, a -retórica- seria inadequada à economia, devendo ser expulsa desse domínio.
Isso porque, conforme explicam, -economia não é literatura, em que boas histórias são suficientes-.
A análise dos problemas econômicos deve embasar-se unicamente na ciência, a qual -requer método: argumentos precisos que possam ser contrapostos a testes empíricos-.
Conforme sugerem os autores, muito daquilo que consideram -erros- da política econômica recente advém do fato de terem sido negligenciados os aspectos teórico-metodológicos que fazem da economia uma ciência.
A -retórica- teria tomado de assalto a condução da economia, substituindo a fria -objetividade- na análise dos fatos por considerações de cunho -ideológico-.
Nas palavras dos próprios autores,-Como revela o caso brasileiro recente, a estratégia usual de quem fracassa na condução da economia não é reconhecer seus próprios erros e procurar corrigir o rumo, mas sim procurar culpados - seja uma crise externa, seja um interesse contrariado.
O inferno são os outros.
A controvérsia na academia é de outra natureza.
Como evitar que sejamos reféns das nossas crenças, atribuindo os fracassos aos demais- Como identificar eventuais falhas dos nossos argumentos ou das suas implicações empíricas, evitando a armadilha do autoengano- O inferno somos nós.
-Nessa concepção, há um único caminho seguro para evitar que nos tornemos reféns de nossos próprios valores, sentimentos e inclinações, desarmando as -armadilhas do autoengano-: a adesão irrestrita aos princípios do iluminismo escocês, caracterizado por uma postura cética e pragmática diante da verdade.
-Não temos acesso à verdade-, dizem os autores.
-Temos, na melhor das hipóteses, conjecturas que não tenham sido rejeitadas pelos dados (mas que podem vir a sê-lo).
- Segundo essa compreensão, o progresso da ciência dá-se através da abstrata formulação de conjecturas e suas refutações, processo conhecido como falseabilidade.
Ora, a epistemologia contemporânea mostra-se mais interessada no processo empreendedor e histórico da ciência do que no simples estabelecimento de estruturas e mecanismos procedimentais.
A crítica epistemológica atual afasta-se de seus primórdios logicistas e empiristas, oferecendo uma série de metateorias acerca das -revoluções científicas- e dos programas de pesquisa (2).
Assim, a opção pelo falseacionismo ingênuo, que se pretende única e inescapável, não está, ela mesma, isenta de pressupostos que justifiquem sua adoção.
Mas que pressupostos serão estes que se escondem por trás de procedimentos abstratos--Ciência- versus retóricaÀ parte o esforço em postular o caráter científico da economia - coisa da qual ninguém, pelo menos desde Adam Smith, poderia discordar -, o artigo pouco avança.
Resume-se a apresentar como inquestionáveis certas concepções de ciência e método científico que são, na verdade, bastante passíveis de questionamento.
Cabe notar, em especial, que a palavra -retórica- - usada como antônimo da verdadeira e pura -ciência- - surge sempre como senha para as questões de cunho político e ideológico que se pretendem expulsar da economia.
Para usar as palavras dos próprios autores, a política -requer um juízo de valor sobre as possíveis opções e seus custos e benefícios.
E juízo de valor não cabe à economia, mas sim à deliberação da sociedade-.
Essa sorte de concepção remete-nos de imediato a um questionamento: como devemos compreender as relações entre ciência e opções político-ideológicas-Sabemos que, na esteira do iluminismo, as primeiras tentativas de traçar uma linha intransponível entre ciência e ideologia remetem ao positivismo.
A sociologia fundada por Augusto Comte foi concebida como uma -física social-: a sociedade deve ser estudada com a mesma -objetividade- e -neutralidade- adotada por físicos, químicos e biólogos.
O que fazem os positivistas é aplicar o dogma da -invariabilidade- das leis físicas ao estudo da sociedade.
Pensam conferir à teoria social, dessa maneira, o estatuto de -ciência-.
Para Comte,-Só o sensível é objeto de conhecimento, só o sensível é real.
De sua natureza o homem está condenado a ignorar tudo o que ultrapassa a ordem empírica.
Qualquer investigação que pretenda elevar-se acima dos fatos, indagando-lhes a origem, o fim e as causas, está de antemão condenada à irremediável esterilidade.
O homem só tem um modo de conhecer: o positivo, isto é, o sensível.
No estudo dos fenômenos e no descobrimento das relações invariáveis de semelhança e sucessão, que os ligam, deve cifrar-se toda a nossa atividade intelectual.
A metafísica é impossível.
Possível é só a ciência positiva.
- (3)Trocássemos a palavra -metafísica- por -retórica-, o excerto de Comte passaria perfeitamente por trecho do artigo ora comentado.
Com efeito, também para os positivistas a retórica, e as humanidades como um todo, não passam de -metafísica- ou -filosofia-, ambas avessas à verdadeira -ciência-.
É o delírio cientificista dos que pretendem expurgar o estudo do homem dos -excessos- retóricos, tomando como modelo os métodos das ciências naturais.
Essa argumentação está posta desde o século XVIII, quando o coroamento do iluminismo lastreou-se no sucesso da física, que já ali se consolidava por meio da mecânica e apresentava importantes resultados.
Seu prestígio, crescente nesse período, contribuiu para a criação de uma aura de superioridade das ciências naturais em relação a outras formas de conhecimento, como a filosofia, a literatura e o conjunto das humanidades.
Esse imaginário encontra-se refletido no texto em questão.
Não por acaso, a certa altura de seu arrazoado, quando explicam qual deve ser o método da economia, os autores afirmam: -[.
] A conjectura deve ser analisada como probabilística.
Essa não é uma peculiaridade da economia.
O tratamento probabilístico ocorre em ciências como a física e a biologia [.
]-.
A questão que se coloca neste ponto é: por que deveria a economia - uma ciência social - optar pelos métodos das ciências naturais em detrimento da tradição humanística- Que condições tornariam possível uma escolha -objetiva- e -neutra- entre humanismo latino e iluminismo anglo-saxão- Existiria realmente um -ponto de Arquimedes- a partir do qual pudéssemos mensurar o valor de distintas tradições de pensamento, colocando esta como superior, aquela como inferior- Ou estaria essa -régua- contida na própria ideologia que se pretende -objetiva- e -neutra--Retórica versus -ciência-A retórica é parte importante das humanidades, podendo mesmo ser considerada o coração dessa tradição de pensamento.
Já em sua Tekhné Rhetoriké (Arte Oratória), os pensadores gregos Córax e Tísias a definem como -criadora de persuasão- (4).
A definição será mais tarde corroborada por Aristóteles, que, em sua Retórica, a concebe como a arte de -discernir os meios de persuasão mais pertinentes a cada caso- (5).
Em seus desenvolvimentos posteriores, esse campo do conhecimento conhecerá um momento de esplendor com os oradores romanos Cícero, Quintiliano e Tácito.
No contexto do Renascimento, o termo humanitas foi retomado, entre outros, pelo poeta italiano Petrarca, que reviveu o conceito originalmente elaborado por Cícero visando ao cultivo das humanidades.
Os humanistas usaram seus ideais retóricos para atacar a escolástica medieval e a posição central por ela atribuída à lógica.
Alegavam que a formação abstrata da lógica afastava o homem de sua condição concreta, levando-o a nutrir uma postura contemplativa perante o conhecimento prático da vida.
Destaca-se, nesse contexto, o filósofo e professor de retórica italiano Giambattista Vico.
A retórica de Vico pretende transmitir a verdadeira sabedoria da vida, em seu sentido mais prático, retomando um ideal do humanismo que remete à antiguidade.
Nessa perspectiva, a fala e a persuasão, assim como a própria linguagem, devem ser tratadas como fontes de conhecimento histórico, pois são repositórios do passado.
O domínio da linguagem, a eloquentia, não é apenas uma questão abstrata, mas reveste-se de significado prático, relacionado aos costumes de uma sociedade.
Ao contrário do que pensa a tradição nominalista medieval - berço do empirismo britânico -, os universais não são meros nomes desprovidos de substância; a linguagem não é menos real que a empiria, e a palavra não é desprovida de poder heurístico.
Em período posterior ao do humanismo renascentista, já na aurora da contemporaneidade, o termo -retórica- ganha um sentido pejorativo indissociável da crítica desferida pelos pensadores iluministas.
Essa crítica encontra-se bem representada nas ideias de Gonçalves e Lisboa:-Nem todos os caminhos levam a Roma.
Por maiores que sejam as suas limitações, argumentos precisamente definidos e testes empíricos que verifiquem a validade das conjecturas são preferíveis a teses de ocasião, desconexas, recheadas de retórica e latinismos, que buscam muitas vezes a simples desqualificação da divergência.
-É necessário destacar, na contramão desse posicionamento, o inestimável valor da retórica.
No mundo em que vivemos, não é possível contar sempre com certezas de tipo matemático.
Na política, no direito, na moral, na pedagogia, na comunicação e, igualmente, na economia, somos o tempo todo chamados a tomar decisões sem que possamos ter certezas absolutas acerca de seus resultados.
Em muitos campos do saber - particularmente nas ciências sociais e humanas - não podemos contar com previsões seguras ou parâmetros irrecusáveis como os termos de uma equação matemática.
Por outro lado, isso não nos torna reféns do aleatório.
Nesses campos não podemos dizer -é verdadeiro-, mas podemos dizer -é provável- ou -é verossímil-.
E não se trata apenas de uma questão de -probabilidades-, mas, fundamentalmente, de opções.
Aqui entra a retórica: em um mundo de evidências escassas, seu papel é também o de instaurar um debate contraditório a serviço da descoberta de certezas mínimas.
Quando lidamos com as ciências do homem e da sociedade, muitas vezes é necessário trocar a -busca da verdade- pela construção dialógica do conhecimento.
Em outras palavras, não é possível fugir do debate.
Ele deve, obviamente, primar pela argumentação rigorosa, respeitando as regras da lógica tanto quanto as evidências empíricas.
Isso, porém, é muito diferente de dizer que, em uma ciência como a economia, devemos ater-nos a -evidências- que falam por si, independentemente de um debate entre partes que buscam afirmar seus pressupostos.
Esse debate não é exterior às ciências.
Não é possível pensar que -cabe à política, não à economia, fazer a escolha entre [.
] opções-.
As ciências sociais não podem ser apartadas - senão artificialmente - do debate político em curso na sociedade (6).
Não por acaso, a retórica desenvolveu-se na democracia ateniense, onde se tornou indispensável ao debate sobre os rumos da comunidade.
A pergunta que fica é: a economia deve mesmo ser expurgada do debate democrático, apartada da política, para tornar-se um instrumento -frio- e -neutro-, objeto das considerações herméticas de especialistas supostamente estribados em -evidências-- É este o sonho tecnocrático de boa parte de nossos economistas.
O que faz a retórica é chamar atenção para um fato que a tradição anglo-saxã prefere ignorar: na prática científica - ainda mais nas ciências sociais e humanas - não podemos nos livrar de ideias, sentimentos, valores e, enfim, dos pressupostos que configuram nossa visão de mundo.
Há sempre um resquício pré-compreensivo que conforma, em última instância, a própria noção de -dados observados-.
Todo o esforço para deixar a história -livre- e -neutra- como a matemática mostrou-se não apenas ineficaz mas, sobretudo, contraproducente, levando à adoção de soluções universalistas e genéricas para problemas concretos e historicamente situados - como são, aliás, todos os problemas econômicos.
Não é por outro motivo que, ao longo do século XX, o positivismo clássico foi torpedeado por críticas relacionadas a novas descobertas científicas, seja na física, na biologia ou nas humanidades.
Problemas lógicos decorrentes da linguagem e questões filosóficas relacionadas ao papel do sujeito - a exemplo das interferências do cientista em seu objeto de estudo - acusaram a ingenuidade do ideário cientificista e conduziram a uma série de reformulações, das quais resultaram uma miríade de novas correntes epistemológicas, muitas delas antipositivistas, outras nem tanto.
É precisamente na impossibilidade de escapar aos pressupostos que reside a pedra de toque da retórica e do conjunto humanístico.
Essa tradição de conhecimento pretende, em última instância, manter-nos atentos ao horizonte de interpretação de qualquer sujeito.
Senão vejamos o caso do maior nome do iluminismo escocês, David Hume (7).
Esse filósofo ancora seu pragmatismo cético em uma tradição anterior, que remete ao obscuro deísmo do Bispo Berkeley, para quem -ser é ser percebido- (esse est percipi).
A fim de evitar a queda no mais puro solipsismo, Berkeley argumenta que -tudo quanto vemos, ouvimos, sentimos ou percebemos de qualquer modo pelos sentidos é sinal ou efeito do poder de Deus- (8).
Assim, não deixa de ser surpreendente que a mais cientificista de todas as tradições de conhecimento, justamente a que se quer livre de juízos anteriores, possua raízes em concepções de cunho teológico.
Quando os autores afirmam que -são de pouca valia tanto modelos sem suporte empírico quanto dados sem modelos-, expõem todo o caráter dualista de sua concepção: de um lado -dados-; de outro, -modelos-, interpretações.
Como se fosse realmente possível a existência de -dados- independentemente de -modelos- - experiências independentes de teorias.
Ao contrário do que pensam os autores, não existem evidências em si mesmas, tanto quanto não existem -dados- sem interpretações.
O que compõe a unidade e a objetividade dos -dados observados- são os sentidos ofertados pelo meio histórico e social.
São traduções conceituais das objetivações da própria vida.
Não há, portanto, contraposição entre vida e conceito, dados da realidade e interpretação, infra e superestrutura.
O factum brutum não é algo simplesmente constatável e mensurável; ele encontra-se envolto, desde o princípio do processo cognitivo, em relações históricas e sociais.
No entanto, pretende-se atribuir aos -dados observados- o papel de um juiz deliberada e oportunamente colocado além dos limites humanos.
Há nessa visão algo a extrapolar o papel que os -dados observados- efetivamente podem cumprir.
O problema da concepção iluminista de objetividade - inserida em um arcabouço teórico de sentido naturalista-matemático e não histórico-social - reside no fato de que ela não problematiza adequadamente o papel do intérprete no processo de compreensão da realidade.
E, abandonada a si mesma, a percepção subjetiva do cientista inevitavelmente fará predominar o aspecto -positivo- (no sentido comtiano) dos fenômenos.
Os fatos passam a ser decodificados, dessa maneira, a partir de noções que implicam uma apreensão funcional e orgânica do mundo tal qual se apresenta.
Não é por outro motivo que as ideologias conservadoras são normalmente hegemônicas no senso comum (e jamais são vistas como -ideologias-).
O império das -evidências-É interessante analisar alguns dos exemplos citados pelos autores como -evidências- corroboradas pelas melhores práticas metodológicas em ciências econômicas.
Segundo Gonçalves e Lisboa, -a evidência indica que graves desequilíbrios fiscais geram inflação e juros elevados; que controle cambial gera desequilíbrios nas contas externas-.
Ora, de que modo poderíamos considerar -evidentes- esses fatos- O déficit fiscal norte-americano alcançou ao longo dos primeiros seis meses de 2015 a astronômica cifra de US$ 439,5 bilhões, 6% maior que no mesmo período de 2014, e não consta que os Estados Unidos tenham inflação e juros elevados.
Do outro lado do mundo, o caso chinês atesta que controles cambiais não necessariamente geram desequilíbrios nas contas externas de um país.
Em ambas as afirmações não há quaisquer -evidências- em sentido naturalista ou matemático.
O que existe, na verdade, é um modelo interpretativo operando com hipóteses para as quais não são admitidas quaisquer evidências em contrário.
Mas a melhor -evidência- de todas é precisamente a última apresentada: -Intervenções setoriais discricionárias podem ser contraproducentes-.
Ora, aquilo que -pode- ser -pode- também não ser.
Com efeito, a história econômica é pródiga em exemplos de -intervenções setoriais discricionárias- que contribuíram para o desenvolvimento das nações.
Assim, devemos nos perguntar por que motivo a afirmação não ganhou a forma contrária - -intervenções setoriais discricionárias podem ser producentes-.
Note-se que os autores da frase - absolutamente retórica e reveladora de intenções ideológicas - são os mesmos que pretendem expulsar a retórica da economia.
É esta a crítica tecida pelo humanismo contra o iluminismo positivista: ele é também portador de uma retórica - não latina, mas anglo-saxã.
Isso fica evidente se tomarmos o termo em seu sentido estrito, consagrado por Aristóteles, como ciência e arte da persuasão.
Afinal, não pretende também o iluminismo persuadir-nos de algo- Sim! Ele pretende convencer-nos de que eliminou quaisquer pressupostos para instaurar o império das -evidências-.
Quando analisamos detidamente essa reivindicação, percebemos que se trata, também, de retórica.
E do pior tipo, pois pretende recusar a própria retórica.
Conclusão Ao contrário do que se afirma no artigo em questão, a retórica e o conjunto das humanidades são instrumentos tão legítimos quanto a ciência anglo-saxã quando se trata de pensar a sociedade e propor alternativas.
Excluir a retórica e suas ciências irmãs do campo da elaboração de políticas públicas é excluir o próprio humanismo.
Pretende-se que o gestor público comporte-se de um jeito -frio- e -matemático- na lida com problemas humanos! Essa perspectiva não faz mais do que atualizar o desvario de Comte, que, em seu -Plano dos trabalhos científicos necessários para reorganizar a sociedade-, chegou ao ponto de propor a substituição dos políticos pelos cientistas no comando da sociedade (9).
O que fazem Gonçalves e Lisboa, em última instância, é afirmar uma concepção despolitizada da economia.
Pretendem entregá-la a um -método científico- que, ao eximir-se de refletir sobre a posição do sujeito que conhece e enuncia, legitima os princípios funcionais à ordem dominante.
A operação é realizada sob a cortina de fumaça do discurso antirretórico, pelo qual se propõe uma fantasiosa eliminação dos pressupostos de última instância.
Ao analisar atentamente essa reivindicação, percebe-se que os pressupostos continuam lá, como que à espreita.
Pressupostos são assim: expulsos pela porta, voltam pela janela.
Numa coisa, ao menos, não é possível discordar dos autores: o inferno realmente somos nós.
* Fábio Palácio é doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP) e professor de Lógica e Retórica no Departamento de Comunicação da Universidade Federal do Maranhão.
** Cristiano Capovilla é mestre em Ética e Filosofia da linguagem pela Universidade Federal do Piauí e professor de Filosofia e Metodologia Científica da Universidade Federal do Maranhão.
Notas(1) GONÇALVES, Carlos Eduardo; LISBOA, Marcos de Barros.
-O inferno somos nós - método, e não retórica, deve reinar na ciência-.
Folha de S.
Paulo, caderno Ilustríssima, 14 fev.
2016, p.
6.
Daqui em diante, todas as citações diretas não referenciadas em nota são do texto de Gonçalves e Lisboa.
(2) Cf.
KUHN, Thomas S.
A estrutura das revoluções científicas.
São Paulo: Perspectiva, 1991; LAKATOS, Imre.
Falsificação e metodologia dos programas de investigação científica.
Lisboa: Edições 70, 1999.
(3) COMTE, Augusto.
-Plano dos trabalhos científicos necessários para reorganizar a sociedade-.
In: Opúsculos de filosofia social - 1819-1828.
Porto Alegre / São Paulo: Editora Globo / Editora da Universidade de São Paulo, 1972.
p.
92.
(4) Apud REBOUL, Olivier.
Introdução à retórica.
São Paulo: Martins Fontes, 1998.
p.
2.
(5) ARISTÓTELES.
Retórica.
2ª ed.
rev.
Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 2005.
p.
94.
(6) Não é por outro motivo que, no paradigma clássico - avesso à fragmentação arbitrária do conhecimento -, as ciências econômicas recebem a denominação -economia política-.
(7) Cf.
HUME, David.
Investigação acerca do entendimento humano.
5º ed.
São Paulo: Nova Cultural, 1992.
(8) BERKELEY, George.
Tratado sobre os princípios do conhecimento humano [online].
Disponível em:
filosofiabr/figuras/livros_inteiros/111.
txt>.
§ 148.
Acesso em 28 abr.
2016.
(9) COMTE, Augusto.
Op.
Cit.